Esse blog foi criado pelos alunos do professor Ricardo para divulgar os rascunhos literários.
Se desejar fazer parte, deixe uma mensagem com um exemplo do seu texto.
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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Chiaroscuro


Seis da manhã com a barriga na pia molhada, ele não pôde resistir e provou uma colherada do feijão gelado que cuidadosamente usava para abastecer a velha marmita amassada. — Há!! se inventassem alguma coisa que impedisse o meu feijão de azedar até a hora do almoço... — Com a dedicação e o carinho de uma mãe que prepara o almoço do filho, o pobre trabalhador se preparava para mais uma jornada.
—Bom dia seu Zé!
—Bom dia senhora. — Respondeu esboçando um sorriso tímido ao chão que a vizinha pisava.
—Dá tchau pro moço! — O menino parecia saber algo que a mãe ignorava. Abraçou o pescoço da mulher e escondeu o rosto.
—Esse menino é tão caipira!
Seu Zé curtia seus últimos instantes de visibilidade. Sabia que ao vestir aquele macacão alaranjado algo como uma mágica aconteceria. Como Harry Potter em sua capa de invisibilidade, ele, sua vassoura e sua pá deixariam de ser vistos por olhos humanos. A magia só não era completa pelo fato das pessoas desviarem dele, dando sinal de perceber sua existência. Essa percepção não era importante o suficiente para tirar um sorriso ou um — bom dia — de ninguém. Mas isso não importa. Vinte anos nessa vida era suficiente para fazer qualquer um se acostumar. — Esse macacão é para mim, como o insul-filme para os tubarões que aguardam o farol abrir.
Entre uma sujeira e outra que pernoitaram a sua espera no meio fio e um copo de papel sujo que lhe saltou à frente quase lhe acertando a perna, seu Zé fazia seu trabalho. Por força da profissão, seu horizonte se limitava a um metro de calçada a sua volta, como se aquele fosse o seu reino, o seu império. De repente, uma poça de água refletiu as pernas bronzeadas de alguma garota. De imediato, o coração do pobre trabalhador disparou. Sua respiração acelerou e tomando de todas as suas forças, o nosso herói largou a vassoura e deu alguns passos apressados em direção ao muro. — Maravilhoso o poder que esse uniforme me concede! Isso teria sido constrangedor se alguém tivesse visto!
As vozes foram diminuindo, outras diferentes vieram. Aparentemente o perigo havia passado. Seu Zé tirou os olhos do muro, analisou cuidadosamente seu universo e pegou a vassoura que havia largado na sarjeta. O surrado crucifixo pôde voltar em paz para o bolso.
Ao retornar o seu trabalho, notou novamente a poça. Dessa vez, parecia inofensiva, salvo o cigarro meio fumado que boiava em um canto. Ele se abaixou, tomou a bituca nas mãos e a examinou como que investigando um crime hediondo. Ela ainda parecia quente, devia ter sido jogada naquela hora. A marca denunciava o batom carmim da sua dona.
—Só pode ter sido deixado por aquela vagabunda, aquela... — Antes de continuar a frase, a guimba lançada ao meio da rua deu lugar ao crucifixo que voltou apressado do seu bolso, como um bombeiro a acudir a um chamado de incêndio. Com toda a fé do mundo, seu Zé, o beijou três vezes e se prostrou de joelhos diante da multidão que passava.
Visível o suficiente para não ser pisado e invisível o suficiente para não incomodar os pedestres da Paulista, o nosso translúcido nordestino aproveitou para fazer o almoço. A marmita vazando e a comida fedendo não o surpreendiam mais. Aquele banquete em frente ao MASP era um privilégio de poucos.
—Nada dignifica mais um homem do que um bom e rotineiro dia de trabalho!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Grande + Pequeno = Médio - Alvaro Freitas

Era uma vez uma pequena que deparou com um grande.
Os olhos grandes vasculharam a pequena.
Os pequenos, fingiram não ver.
A boca grande deu um pequeno sorriso.
O pequeno rosto devolveu um rubor.
O grande aproximou e o pequeno acanhou.
O pequeno olhar tocou o grande sorriso.
A grande mão tocou o pequeno rosto.
O pequeno lábio tocou a grande boca.
A pequena chama em grande incêndio se tornou.
O grande corpo ao pequeno grudou.
Os pequenos braços, ao grande dorso juntou.
A grande mão, o pequeno corpo explorou.
A pequena mão, na grande cara estalou.
Uma pequena lágrima, de um grande olho verteu.
As pequenas costas, ao grande se viraram.

Então, o que era grande ficou pequeno.
E o que era pequeno ficou grande.
Um pequeno tapa, uma grande dor.
Um pequeno instante, uma grande eternidade.
Uma pequena lágrima, uma grande tristeza.
Um grande joelho, um pequeno chão.
Uma pequena mão, um grande ombro.
Dois grandes desejos de recomeçar.
Um pequeno abraço, um grande beijo.
Dois pequenos corpos, uma grande paixão.
Uma pequena cama, um grande amor.
Uma pequena semente, um grande ventre.
Um pequeno menino uma grande esperança.

Os sonhos — os do pai.
As chances — as da mãe.
A vontade — a do pai.
A recompensa — a da mãe.
O trabalho — o do pai.
O salário — o da mãe.
O desespero — o do pai.
A esperança — a da mãe.

O viaduto era grande,
os carros, pequenos.
A coragem, pequena;
a derrota, grande.
A fé era pequena,
a velocidade era grande.
O tempo foi pequeno,
o arrependimento foi gigante.
A vida foi pequena e a lição...

terça-feira, 31 de agosto de 2010

PARA MOTORISTA!! MINHA AMIGA FICOU.

Nos olhos verdes e pele clara, a descendencia alemã do sul de Rita. Morena nordestina, olhos castanhos escuros é Alda que veio da Paraíba. Já passaram dos cinquenta anos, vivem a muito tempo em São Paulo e se tornaram grandes amigas. Cada uma do seu jeito.
Alda compra quase tudo que vê e adora ser fotografada. Rita é mais reservada e seletiva.
Foi em Canoa Quebrada que conversei com elas pela primeira vez. Estava passeando em Fortaleza e chegamos no mesmo voo fretado que partiu de São Paulo.
Almoçamos e comentei que ia criar meu proprio roteiro para o dia seguinte e que havia cancelado o passeio programado.
-Vou ao mercado comprar algumas coisas e depois pretendo pegar um onibus circular para conhecer um pouco do povo e da cidade. Percebi o interesse nos olhos delas e também resolveram cancelar o passeio previsto e me acompanhar.
No dia seguinte, após o café fomos para o mercado de artesanatos que fica no centro da cidade, ao lado da catedral. Acompanhei-as nas compras e percebi que Alda so comprava se Rita aprovasse.
Fiz minhas compras, almoçamos e pegamos o grande circular que dá a volta em toda cidade.
Sentei-me no lado da janela, fui apreciando a paisagem, tirando fotos e convivendo com aquela população de quase 3 milhões de habitantes.
Depois de passar por mais de três terminais, tivemos que descer no de Messajana para trocar de onibus. E pegamos uma grande fila. Como estava a frente, subi e sentei-me.
Alda veio logo atrás e pediu para Rita tirar uma foto subindo no onibus.
Entrou, virou-se e fez pose. As pessoas se afastaram e Rita tirou a foto. Nesse instante, o motorista olhando pelo retrovissor e vendo que ninguém mais subia, fechou a porta e foi embora.
Deixou Rita e os outros passageiros. Formou-se uma grande algazarra dentro do onibus. Olhei para trás e vi Rita correndo, gritando e gesticulando ainda com a maquina na mão.
Dentro a confusão era geral. Alda gritava. -Pára motorista, minha amiga ficou!
Os passageiros também gritavam. -Motorista a mulher ficou, paaara!
No meio de tanta gritaria, olhando pelo retrovisor ele parou. Percebendo que ela não havia desistido, abriu a porta e ficou esperando.
Rita entrou no onibus com respiração ofegante e rosto vermelho. Não sei se era do esforço ou de vergonha. Os que estavam no ponto, talvez não acreditando que ele fosse parar, não correram junto com ela.
Ele então fechou a porta e foi embora.
Durante o restante do trajeto, o assunto era elas.
Quando descemos proximo ao hotel, ainda pude ouvir alguém dizer de dentro do onibus.
-Eita!! Essas mulhé vem de São Paulo fazer lambança aqui na nossa cidade.
Fomos para o hotel se matando de rir e Rita ainda comentou.
-Acho que o povo que perdeu o onibus deve estar me xingando até agora.
Isso fez a gente rir mais ainda de lembrar a cena.
O pessoal da excursão ficou sabendo e elas tinha que ouvir de vez em quanto.
-Páraaa motorista!!! Minha amiga ficou.

Jaf Falcão Peregrino

sábado, 7 de agosto de 2010

Bate papo de bar

Estava a lavar meia dúzia de copos e a limpar o grande balcão, quando cinco senhores adentraram ao bar conversando sorridentes e descontraídos. Ao se aproximarem, de prontidão os atendi.

-Pois não, o que deseja?
Uma cerveja, por favor. - Disse Steve Jobs
-E você, caro senhor?
Uma dose de conhaque para mim está bem. - Anunciou Sherlock Holmes
-Ok.
Eu vou querer um copo de vinho tinto seco. - Se antecipou Sócrates
-Aqui está.
Uísque, por favor. – Falou Lord Henry
Companheiro, pra mim uma branquinha. – Solicitou Luiz Inácio
-Prontinho.
-Ah nada como uma boa cachaçinha do Brasil... você deveria experimentar companheiro Sherlock. Isso é que é bebida pra homem.
-Ah ha ha ha! Caro amigo Lula, imagine só. Tenho certeza de que as doses de conhaque são de maior valia durante as minhas investigações. Aquecem o pensamento e estimulam o raciocínio.
-E você companheiro Sócrates o que acha?
-Só sei que nada sei... seria um grande erro de minha parte julgá-las tendo como meios apenas os imprecisos sentidos humanos.
-Algum comentário Harry?
-Influenciar alguém seria dar à ela a própria alma. Ela passa a não pensar com os pensamentos naturais. As virtudes que possui deixam de ser, para elas, reais.
-Pois é isto que acho! A cachaça é sem dúvida a melhor. E quanto a você pigmeu, sempre em cima do muro. – disse Lula zombando de Sócrates.
Presumo que nosso amigo Holmes não precise de minha ajuda para parir uma opinião. Ele me parece muito bem dotado de inteligência para isso Mr. Luiz fingerless. – disse Sócrates retribuindo a gozação.
-Ah ha ha ha ha ha ha! Agora você foi longe demais companheiro Shrek.
-Oh deus! Temo que esta conversa tenha saído dos trilhos da boa educação senhores. Experimentemos outro assunto.

Nisso mais um homem chegou ao bar e todos o cumprimentaram com afeto.

-Olá senhores, como estão?
-Grande Gandih, meu amigo, sente-se, estamos a nos divertir com esses dois. – Disse Jobs
O que deseja beber senhor – perguntei simpaticamente.
-Filho, desejo apenas um suco de laranja. Está bem?
-Um minuto. Aqui está senhor.

Enquanto isso, eu, humilde garçom permanecia limpando, ou melhor, fingindo limpar o que tivesse por perto. Não queria perder sequer uma respiração. Nada. Qualquer sinal que pudesse denotar o nascimento de um brilhante raciocínio era importante.
Eu estava em companhia das maiores figuras desse mundo! Apreciava aquele diálogo e observava como eles até transpiravam certa futilidade diante de trivialidades como discutir a sobre cachaça.
Tomei a vassoura em mãos, e foi quando olhando de rabo de olho, vi Sherlock acendendo ao cachimbo e começando a refletir:

-Proponho um exercício meus caros. Vejamos até onde chega criatividade e poder de reflexão de cada um de vocês.
Definir é limitar! – Disse Lord Henry.
-Harry, vai ser divertido. Comecemos?
-Como funciona detetive?
-Simples, pensarão agora sobre a teoria das vidas paralelas... Ela diz que sempre que nos deparamos com uma bifurcação, duas vidas paralelas passam a co-existir, dessa forma, apesar do seu consciente optar por uma, seu subconsciente experimentou ambas. Assim, cada um de nós é ao mesmo tempo bandido e mocinho, vítima e culpado, telespectador e ator das melhores e piores coisas da vida...
O grande barato aqui é pensar nisso e refletir em voz alta para que todos possam acompanhar o trem da imaginação durante o caminho nos trilhos do pensamento. Mas, peço para que não contaminem a imaginação com o bom senso.
-Nossa! Realmente muito interessante sua proposta meu jovem, é um assunto nada trivial.
-Quem começa?
Eu – disse Jobs – Quero expressar-me sob a forma de poesia.
-Perfeito!

“Noites em branco, acordado pensando
esquerda ou direita
chocolate ou morango
preto ou branco?

pepsi ou coca
empresa ou escola
ouro ou copas
sabedoria ou bens

o que tens? O que fazeis? És tua a vez.

Como sereis? Diferente talvez,
cada escolha um caminho,
indivíduos distintos, infinitos destinos,

paralelos a caminhar, ao céu ou ao mar
sinos a tilintar no profundo da alma,
espere, tenha calma
tentar entender é fazer-se sofrer

Aproveite a maravilha,
você esta em sua própria companhia,
aqui ou lá, em cada lugar, você a atuar
e cabeça a completar o nem ela sabe se há”.

Todos aplaudiram, e sorrindo vi Jobs agradecer aos amigos. Empolgados, via cada um ter a face transformada pelas palavras que o poético Jobs acabara de dizer.

Após o pronunciamento do primeiro, logo vi se levantar o raquítico indiano envolto em um pano branco, e pedindo a palavra.
Sua presença de gigante transbordava inundando o ambiente o que paralisou até mesmo o relógio quando começou a falar:

-“Convenhamos que pensar em um Gandhi carnívoro e agressivo seja tão absurdo quanto pensar em um sol gelado, mas, há questões que me tiram o sono todos os dias.

Pensem comigo, só existe bifurcação se as opções são opostas, não seria bifurcação se elas fossem iguais. Correto. Além disso, uma coisa só passa a existir se for simultaneamente ao o seu oposto. Antes disso não há nada, nem partículas, nem tendências, nem existência. Partindo disso, fazer escolhas significa criar opostos. Escolher o bem significa criar o mal, então do que isso adianta? Do que adianta fazer escolhas e abrir abismos entre o bem e o mal?

Então, o que fazer? Essa é a questão...”.

-Puta que pariu! Essa foi de deixar todos calados – disse Lula

Fiquei perplexo e sem saber o que fazer, o que dizer, e até mesmo o que pensar. Como poderia assim, questões sem explicação como esta permanecerem com suas respostas perdidas onde a razão humana não é capaz de chegar...

Continua...

domingo, 1 de agosto de 2010

A ave do paraíso - Alvaro Freitas

Após uma longa espera, estava finalmente a caminho do tão merecido repouso. Uma casa no meio de uma chácara tão grande, que mesmo se estourasse a terceira guerra mundial, eu não tomaria conhecimento. Em uma montanha tão alta, que estando na ponta dos pés, quase era possível ouvir os sussurros dos anjos. Distante da humanidade o suficiente para nunca mais ter que ouvir nenhuma falsidade. Por outro lado, perto o suficiente para que em uma hora de carro, pudesse fazer as minhas compras e sacar a aposentadoria.
Caminhonete abarrotada até o teto com a mudança. Calor a ferver os miolos. O velha Ford precisava de um descanso. Mais do que uma sombra de árvore, precisávamos de um posto de serviço com gasolina, banheiro e uma cerveja gelada. No horizonte, detrás de uma muralha de pó, surgia algo que lembrava um posto de combustível.
—Prá morrer de sede, morro intoxicado!
Tinha uma bomba de combustível, um caminhão em estado de putrefação e um barraco, que com um pouco de criatividade, lembrava uma loja de conveniência.
—Olá! — gritei.
Quisera ter ouvido ao menos o eco me responder, mas ia ecoar aonde?
—Olá! Alguém? — fui me afastando do carro em direção à loja.
Chegando a porta da loja, deparei com uma espreguiçadeira com um velho morto. Morto também não, mais tão prestativo quanto se estivesse. Pela porta de tela, tive a maravilhosa visão de uma geladeira com uma marca estranha de cerveja na porta.
—Senhor!?
“É, está morto sim!” — pensei.
Fui até a geladeira e me servi da primeira garrafa que vi. Ela estava sedutoramente suada. Quando estava prestes a sair:
Três e cinqüenta! — alguém gritou com voz esganiçada.
Olhei para o velho. Tão morto quanto antes.
—Olá! Para quem eu pago? – perguntei como que para as paredes.
Deixa no balcão! — respondeu.
Cheguei mais perto do pré-cadáver e notei que ao seu lado tinha uma gaiola com o pássaro mais lindo que já havia visto.
—Só tenho nota de cinco! — disse só para ver de onde viria a resposta.
Pega o troco de bala! — disse o pássaro.
“Eu não podia acreditar. Treinaram o pássaro para tomar conta da loja.” — Pensei indignado.
—Com licença! — disse um jovem à porta. — Vai abastecer?
—Vou sim! Completa o tanque e verifica a água e o óleo.
—Com prazer.
Passado o delírio, sai atrás do jovem em direção a bomba.
Três e cinqüenta, SAFADO!
Deixei os cinco sobre o balcão e sai apressado, como que fugindo de uma alma penada.
—Quem ensinou aquela ave a falar? — perguntei ao garoto.
—É a “ave do paraíso” do vovô. Ela não fala não! Por quê? — perguntou intrigado.
—Nada, pensei ter ouvido.
Mais duas horas de viagem, finalmente cheguei na casa que seria meu derradeiro endereço. Silêncio e paz. Era tudo que eu queria. Ninguém mais para me enganar, nem me roubar. Definitivamente desisti das pessoas.
Durante toda a minha vida, somente deparei com pessoas aproveitadoras e desonestas. Nunca constituí família. Meus pais me abandonaram em um orfanato enquanto era um bebê. As pessoas que mais dediquei confiança, foram as que mais me traíram.
—Chega, agora sou só eu e Deus!
Apesar de toda a carga, alguns detalhes haviam faltado. Durante a semana preparei uma pequena lista, e no sábado, fui até a cidade pegar o faltante.
A história da ave não me saía da cabeça. Claro que ela falou comigo! Eu não estava louco!
Foi então que decidi voltar lá. Passei no posto e deixei o garoto abastecendo enquanto entrei na loja sob o pretexto de uma cerveja gelada.
Lá estava o velho dormindo de boca aberta e a ave me encarando.
—Bom dia amigo! — cumprimentei cismado.
Fala ai tio! — disse o pássaro.
Tentando bancar o menos idiota possível, decidi fazer uma pergunta mais complexa para ter certeza de que ele só havia sido treinado a responder o básico.
—Esse senhor é seu dono? — perguntei olhando-a nos olhos.
Não! É o meu funcionário. — respondeu. — É meio velho mas mantém minha gaiola limpa e minha água e comida sempre fresca.
—Você confia nele?
Não sou louco de confiar nos seres humanos.
—Sabe, sinceramente, nem eu. Eu desisti. São todos uns canalhas...
Subitamente, o rapaz entrou na loja.
—Mais alguma coisa que eu posso fazer pelo senhor? — indagou o frentista.
—Eu gostaria de comprar o pássaro.
—Ele é do vovô. Pergunte a ele!
Com carinho, o neto acordou o velho.
—Vovô, esse senhor gostaria de comprar a “ave do paraíso”!
O velho bocejou e coçou os olhos como se estivesse dormindo a anos. Ele me olhou e disse.
-Ele só é bonitinho. Se pensa que pode ensinar algum truque, esquece!
—Ele fala?
—Você deve estar querendo um papagaio. Eu posso conseguir um que canta o hino do Corinthians.
—Eu quero esse.
—Mas não fala!
—Quanto custa?
—Cinco mil!
—É meu!
E assim foi. Pela primeira vez em toda a minha vida eu tinha um amigo de verdade. E pela primeira vez, eu passei alguém para trás.
—Onde já se viu. Cinco mil e eu comprei o mais inteligente dos animais. Um profeta talvez. A idéia do profeta trouxe um arrepio sobrenatural a minha espinha. Então, me virei para ele, que estava no banco ao meu lado e perguntei.
—Você fala em nome de Deus?
Em silêncio ele consentiu. Então fomos em silêncio a viagem toda. Talvez pelo estresse da viagem ele parou de falar, apenas respondia sim ou não com a cabeça. Por semanas o nosso relacionamento foi apenas por gestos. Ele não me disse mais uma palavra sequer. Porém, o jeito com que me olhava, era o suficiente para esclarecer todas as dúvidas e anseios de toda a minha vida. Até que cogitei a hipótese de o poder de fala dele, de alguma maneira estar atrelado ao velho do posto de combustível.
Eu havia jurado para a ave e para mim mesmo que jamais falaria com mais nenhum homem. Mas a situação necessitava uma medida enérgica, então, deixei a gaiola bem abastecida e voltei a loja.
Ainda da estrada, pude ver uma estranha movimentação no posto. Uma viatura da polícia e uma ambulância. A tranqüilidade dos paramédicos me assustou. Estacionei de qualquer jeito e corri até a loja.
—O que aconteceu? — perguntei ao Policial.
—O ventríloquo morreu!

domingo, 18 de julho de 2010

Nas Cruzadas - Alvaro Freitas

Pele tão escura, quanto claro é o turbante.
Alegria a irradiar por cada poro.
Joelhos na areia, mão, a tocar o céu.
Mãos na areia, fé a atingir o céu.
Amigos em comunhão a abraçar,
Mulher e filhos, com amor a beijar,
E em uníssono, um bom Deus a agradecer.

—Nunca vi tanta fé!
Tamanha façanha só poderia ter o dedo do criador.
—Nunca vi tanto agradecimento!
Tamanha graça só pode ter sido fruto de muita oração.
—Nunca vi tanto louvor!
Tantos fiéis orando pelo mesmo Deus.

Quisera tê-los conhecido antes.
Pudera tê-los entendido melhor.
Ousara ter dialogado um pouco.
Hoje o sol brilharia mais.

O silêncio que de súbito virou festa,
Vai aos poucos retomando o seu lugar.
O calor que ligeiro tomou meu peito,
Vai sem pressa escoando para a areia.

A luz do dia que sempre me guiou,
Vai perdendo seu brilho.
A noite fria que sempre me trouxe alento,
Vem desabrochando sem estrelas.

Que Deus poderoso e fiel é o deles,
Que atende aos pedidos do seu rebanho,
E vem a terra com eles comemorar?
Que Deus piedoso e gentil é o meu,
Que me guiou até tão longe do meu povo,
Só pra mostrar-se único?

Se não fosse pelo poder da lição.
Se não fosse pelo impacto da didática.
Estaria com eles a louvar nosso Deus.
Ignorando a lança que o crucifixo transpassou.

Precipício - Alvaro Freitas

Sentado a mais de quarenta anos de altura.
Olhos nos olhos e coração nas rochas.
Como dois bons e velhos inimigos, eles se encaravam.
Quem ousaria o primeiro passo?

A menos noventa graus de coragem,
Um corpo hesitante a tremer.
Com sua colossal imponência,
Paciente aguarda a derradeira decisão.
O sábio ancião, formado de pedras sobrepostas,
Muito já tinha visto e pouco contado.
E a pobre criança indefesa,
Embriagada com a total certeza,
Que somente os ignorantes têm.
Desafia seu inimigo salvador,
A uma batalha final.

De um lado, algumas gramas de covardia.
Do outro, muitas toneladas de bravura,
Separados por um passo e quinhentos metros de dúvida.
De cima, a lua contemplando a tragédia.
Tivera ela humor para rir.
Tivera ela coragem de saltar.

Ao ver a platéia aumentando,
Decidiu abreviar o momento.
E pela primeira vez na vida,
Reuniu toda a sua coragem,
Levantou, encheu o peito de ar,
E voltou para casa.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Haroldo e a Garota Legal

Haroldo é um viúvo de meia idade que vive só. É tímido e tem poucos amigos. Então resolveu virar um internauta. Não navegava para adquirir conhecimentos, mas em busca de novas amizades e quem sabe até de uma companheira. Seu hobby é entrar nas salas de bate papo e as vezes consegue marcar alguns encontros. Na internet convive com todo tipo de gente. Cordiais, mal educados, agressivos e aqueles que se aproveitam do anonimato para difamar mulheres.
Um dia, chegou cansado do trabalho e resolveu bater um papo antes de dormir. Era uma maneira de relaxar um pouco. Espiou algumas salas, leu algumas conversas e resolveu entrar nas salas dos 30/40 anos. Criou um apelido (nick) "Seu Amigo" e foi para a sala 2. Não costumava tomar a iniciativa, mas naquela noite resolveu arriscar e chamou algumas mulheres para um papo. Como não recebeu resposta, ficou colando algumas musicas, lendo o que os outros escreviam e já pensava em sair para dormir quando surgiu na tela um "Oi?"
Olhou para o nick, "Garota Legal", ela convidava para um papo. Pensou um pouco e ficou indeciso, se saía ou teclava, quando novamente...Boa noite. Tudo bem? Então resolveu responder. -Tudo e você? Tecla de onde?
Sou de Itajaí/SC, conhece? Ele ja havia estado por lá.
-Sim, é uma cidade praiana e você deve curtir muito essas belas praias. Falou tentando ser agradavel. -Não! Disse ela. Gostaria muito, mas não posso. Ele estranhou.
-Por que? Trabalha muito e não tem tempo ou o namorado é ciumento?
-Não é isso e não tenho namorado. Vivo presa a uma cadeira de rodas e quase não saio de casa.
Haroldo gelou, não esperava por aquela resposta. Ficou imóvel, confuso, olhando para a tela sem saber o que escrever. E ela continuou.
-Sabe, faço hemodiálise por que tenho problemas nos rins e minha única distração é a internet.
Voce está aonde? -Estou em São Paulo e seu caso não seria resolvido com um transplante de rins? -Sim, seria a solução. Mas, não tenho plano de saúde, estou na fila do SUS, mas ja perdi a esperança.
-Não! Não deve perder a esperança. Quantos anos você tem?
-Tenho 36 anos e como faço hemodiálise a tempo. Meus ossos estão fracos e ja quebrei a perna quatro vezes, por isso tenho que andar de cadeira de rodas.
-Você está esperando um transplante a muito tempo? -Sim! Estou a dezenove anos na fila.
Haroldo sentiu um aperto no coração. Ela teve problemas aos 17 anos e com certeza vai morrer antes que consiga um doador. Ele ficou muito triste e não conseguindo manter um diálogo, saiu. Justificou que tinha trabalhado muito e estava cansado. Ela se despediu com um beijo e ele ficou transtornado, com lagrimas nos olhos.
Não conseguiu dormir direito aquela noite, pensando nela. Achou muito cruel, uma jovem na flor da idade não poder desfrutar a vida e ter os sonhos bloqueados pela doença. Pensou em quantas pessoas estão sofrendo com o mesmo problema e no dia seguinte tomou uma decisão. Redigiu uma carta e entregou a seu filho. Nela estava escrito que ele autorizava que todos os seus orgãos fossem doados após seu falecimento. E ainda comentou. -Depois de morto não vou precisar deles.
Mas, sei que poderão trazer uma nova vida para algumas pessoas. E de alguma maneira continuarei vivendo...Haroldo tem razão.
Todos nos precisamos nos conscientizar da importancia da doação de orgãos, para que não tenhamos que conviver com casos como da "Garota Legal", essa pobre moça que um dia, sonhou em ser feliz e ter uma vida normal.
Jaf - Falcão Peregrino

domingo, 27 de junho de 2010

Analgésico - Alvaro Freitas

Tem coisas que quero, mas não tenho.
Tem coisas que tenho, mas não quero.
Não quero tremer, nem sofrer.
Não quero chorar, nem viver.

Se a justiça só me serve,
pra tolher a liberdade.
Quero então uma injustiça,
que me tenha piedade.

Se pelos crimes do inimigo,
tenho que ser acusado.
Preferia ter cometido os meus próprios,
pra não ser injustiçado.

Se a mentira do opressor,
vale mais do que a verdade.
Quero uma boa ficção,
pra evitar desigualdade.

Se não tenho uma amante,
que com carinho me toque a pele.
Quero ao menos um legista,
que com atenção me desmantele.

Se não tenho um bom Amigo,
que me ouça o lamento.
Quero ao menos um punhal,
que me tire o sofrimento.

Se não tenho um amor,
que me leve ao paraíso.
Quero então uma demência,
que me arruíne o juízo.

Se a doença que eu tenho,
não pode ser medicada.
Preferiria uma hemorragia,
que pudesse ser estancada.

Se não tem um analgésico,
que alivie a minha dor.
Quero então um precipício,
que me faça esse favor. 

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A Maldição de Barbosa

Ah! Nada como sentir essa brisa que vem do mar.
Ele estava sentado num banco do jardim da praia, distraido olhando para o mar e apreciando as crianças brincar na água. De repente ela surgiu trazendo o menino pela mão. Parou à frente dele e com voz grave e olhar de acusação disse.
-Filho! Este homem fez o Brasil inteiro chorar de tristeza.
Ele demorou alguns segundos para perceber que era com ele. Virou o rosto e olhou para ela que continuava com aquele olhar duro, de reprovação. Engoliu em seco e seu olhar de desanimo mostrava a amargura em seu coração. Preferiu o silencio, pois sabia que qualquer coisa que dissesse não ia mudar o pensamento dela. Ele era culpado e pronto!
A criança olhou para ele e depois para ela sem entender nada. Ela não se compadeceu e do mesmo jeito que chegou, saiu conduzindo seu filho.
Aquilo se tornara comum em sua vida. Por mais distante que fosse, não havia como fugir.
-Nunca vou conseguir me livrar disso. Parece que carrego uma maldição. Ele chorava em silêncio e um sentimento de revolta dominou seu corpo: sentiu vontade de gritar para o mundo.
-Eu não joguei sozinhooooooo. Havia mais dez além de mimmm.
Mas, sabia que não adiantava. Tinha sido julgado e condenado pela derrota do Brasil em 1950 e só a morte ia conseguir libertá-lo disso.
Com os cotovelos apoiados nos joelhos, colocou as duas mãos na cabeça. Era como se quizesse tirar tudo aquilo da mente, enquanto as lagrimas escorriam pelo rosto.
-Por que cometem essa injustiça comigo?
Eu era apenas mais um defensor daquela seleção. Ninguém lembra dos outros dez, somente eu sou lembrado. Um individuo mata outro, é julgado e condenado a 30 anos de cadeia. Depois desse tempo está livre e pagou pelo seu erro. Eu não!
Já se passaram mais de 50 anos e eu continuo pagando por um crime que não cometi.
-Perdemos, eu sei. Mas, e daí?
Já perdemos tantas outras copas por erros de jogador ou de técnico, mas ninguém lembra mais disso. Por que não esquecem de mim? Sai do Rio de Janeiro por que não aguentava mais. Vim morar aqui na Praia grande, onde pensei que encontraria a paz, mas não.
E a imprensa então! Toda vez que o Brasil joga com o Uruguai sou lembrado, não pelas defesas que fiz, mas por um gol que tomei. Um gol normal, indefensavel para qualquer goleiro. Menos para mim. E valorizam o atacante uruguaio que fez o gol. Ele sim foi nosso carrasco, não eu.
Depois de ouvir as palavras duras daquela mulher, Barbosa perdeu a vontade de ficar ali. Mais uma vez, alguém tinha estragado seu dia. O pior era o olhar daquela criança, que vai crescer e será mais um para condena-lo. A idade também já pesava em seus ombros e saiu caminhando devagar de volta para casa, pensando. Pelo menos lá não tem ninguém para me condenar, pois moro sozinho.
Um dia Barbosa foi retirado de nosso convivio, mas não se libertou. Mesmo morto, ainda paga pela perda do titulo. Foi um injustiçado, por isso devemos pelo menos reverenciar a memória do cidadão. Uma pessoa correta, amigo de todos e acima de tudo um homem integro. E que mesmo sendo agredido, nunca revidou os ataques contra ele. Acho que já passou da hora de apagar esse estigma da vida de Barbosa e lembrar somente do grande homem que foi.
É muito facil julgar os outros e acusa-los de erros. O dificil é criar consciência que essa atitude lembrada sempre, não trouxe nenhum beneficio para os brasileiros, mas conseguiu destruir a vida desse pobre cidadão chamado Barbosa.
JAF-Falcão Peregrino

sábado, 19 de junho de 2010

Máscara - Alvaro Freitas

Que gracinha, é a cara da mãe!
Carente, assustado e indefeso,
Estranho em um mundo estranho.
Achando ter escapado ileso,
Foi levado ao primeiro banho.

Menino, veste uma calça!
No calor intenso do verão,
Brincando todo empolgado,
Aprendeu uma boa lição,
Que não devia andar pelado.

Você tem que ouvir os mais velhos!
Tanta coisa a aprender,
E tão pouco a ensinar.
Como os velhos, há de ser.
E seu instinto ocultar.

Fala que nem homem, moleque!
Com a voz desafinada,
E a carinha de criança,
Fez uma voz disfarçada,
Pra merecer confiança.

Pra ocultar tantos defeitos.
E pros outros lhe aceitar.
Mais um monte de disfarces,
Ainda terá que usar.

Foram remendos, retoques e enxertos.
Uns a esconder suas vergonhas.
Outros, para parecer com seus pais.
Uns a esconder remendos antigos.
Outros, a substituir os que não combinavam mais.

Até que num belo dia,
Por pura curiosidade.
Trancado em seu banheiro,
Pra evitar cumplicidade.
E fixou-se no espelho,
Pra conhecer toda verdade.

Nem seu olho refletiu.
Tampouco, seu corpo encoberto.
Querendo poder, o original enxergar,
Cada uma das mascaras, decidiu arrancar.

Pra cada uma removida,
Tinha outra escondida.
Nosso herói desesperado,
Foi jogando todas de lado.

Foi com a última arrancada,
Que o espelho por fim revelou,
Que no banheiro não restava nada.

sábado, 12 de junho de 2010

A Andorinha - Alvaro Freitas

Oh tão perdida andorinha!
Que numa tarde gelada,
Por uma janela quebrada,
No escritório adentrou.

Quisera ser como eu!
Que num passado distante,
Em uma caçada errante,
Pelo umbral internou.

Oh tão ligeira andorinha!
Por entre setores diversos,
De chefes tão adversos.
Em poucos segundos passou.

Quisera ser como eu!
Ouvir, calar, engolir,
Inclusive, de tudo sorrir.
Teria ficado bem mais.

Oh tão astuta andorinha!
Que por todos convidada,
A partir em retirada,
Mas a ninguém se entregou.

Quisera ser como eu!
Apesar de enxotado,
Muitas vezes humilhado,
Nunca o posto entregou.

Oh tão ofegante andorinha!
Voando de lá para cá.
Deixou-se por fim apanhar,
Pelas garras da opressão.

Quisera ser como eu!
Fôlego das entranhas tirado,
Sem nunca parecer cansado,
Nem tampouco se entregar.

Oh tão derrotada andorinha!
Que das mãos do opressor,
Foi exposta sem louvor,
E pela janela atirada.

Quisera ser como eu!
Que sem conhecer o destino,
Nem tão pouco o assassino,
Ignoro a janela a porvir.

Oh tão livre andorinha!
A voar sem atropelo,
Nem lembrar do pesadelo,
Que um dia afrontou.

Quisera ser como eu!
E ainda no pesadelo estar,
Para quiçá um dia acordar,
E ver que a vida lá perdeu.

Oh tão invejada andorinha!
Se um dia ler esses versos,
Leia pelos anversos,
E perdoe a ignorância minha.

Se lhe servir de consolo,
Saiba que esse mesmo tolo,
Já se encontra bem cansado,
E num cantinho acuado,
Aguardando uma boa alma,
Pra da janela também me atirar,
E quem sabe poder te encontrar,
Na viagem a caminho do sol.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

O SORRISO DE PELÉ

Aquela era uma manhã ensolarada de 1963. Havia chegado a poucos dias e estava morando num sobrado da rua José de Alencar, atras do campo do Santos. Saí para caminhar e depois de algum tempo resolvi cortar o cabelo. Ao percorrer a rua Princesa Izabel, passando em frente ao estádio, vi uma placa de barbearia, ao lado do bar que fica na esquina. Na frente um ponto de taxi, onde alguns motoristas jogavam dama em um banco de madeira para passar o tempo.
Entrei e uma pessoa estava terminando de cortar o cabelo.
Logo que saiu o barbeiro olhou para mim como dizendo. -Você é o próximo.
Ocupei a cadeira e em silencio ele começou a cortar meu cabelo.
Não havia se passado muito tempo, quando percebi uma agitação e os motoristas se dirigindo a um jovem que acabara de chegar.
Um deles quase obrigou o rapaz a sentar naquele banco para jogar dama. Mas, ele entrou na barbearia e cumprimentou com um sorriso. Olhou para o barbeiro dizendo.
-Quando chegar minha vez avisa. Ele quer perder de novo.
O motorista sentado no banco, colocando as peças no lugar chamava.
-Vem Pelé? Vamos jogar que hoje vou ganhar.
Ouvindo aquele nome, olhei para o jovem. O rapaz sorridente era Pelé.
Naquela epoca não havia ainda televisão em minha região. Então ouvia pelo radio os jogos do Santos e ele sempre pareceu um gigante. Mas, ali de chinelos e bermudas, não tinha nada de diferente dos outros jovens. Sorrindo e brincando com os motoristas, não parecia nem de longe o atleta consagrado. Já havia participado de duas copas do mundo e era considerado o maior jogador do momento. Mas, em minha frente era somente um garoto risonho, brincando sem nenhuma ostentação.
A partida terminou na mesma hora que o meu corte de cabelo. Pelé ganhou e seu oponente não se conformava. Pediu que depois de cortar o cabelo sentasse para jogar de novo. Enquanto eu saía da cadeira, ele se aproximou e ainda sorrindo disse.
-Tanta insistencia para perder de novo, parece até o Corinthians, não ganha uma de mim.
Cedi o lugar na cadeira também sorrindo e olhei na direção do motorista que aguardava ansioso para jogar novamente. Sai dali imaginando que seria novamente derrotado.
Aquela foi a primeira vez que vi Pelé. Desde esse dia, sempre que possivel acompanhava os treinos do Santos. Assistia a quase todos os jogos e ficava encantado com aquela máquina fantástica de jogar bola comandada por ele.
O tempo passou, ele foi para o Cosmos, nos Estados Unidos e um dia deixou de jogar futebol.
Nunca mais vi Pelé, mas ele nunca perdeu o contato com o Santos.
Nesse ano de 2010, aconteceu mudança de diretoria e conseguiram trazer Robinho, de volta por empréstimo. O estádio estava lotado quando ele chegou de helicóptero. Desceu e foi conduzido por Pelé até o palco armado no estádio, para apresentar a torcida.
Naquele momento Robinho era o rei, alvo das atenções. Os jornalistas queriam ouvir o que tinha para dizer. Mas, no meio daquela gente, pude percebe aquele mesmo Pelé.
Em sua simplicidade, conversava com todos e sorria alegremente.
Mais velho como todos nós, mais ainda conservando aquele mesmo sorriso de menino, dos tempos do futebol arte que ele foi rei.

Jafortes - Falcão Peregrino

domingo, 6 de junho de 2010

Teoria da Evolução - Alvaro Freitas

Foi no primeiro dia, quando Deus acordou.
Os céus e a terra, Ele criou.
O dia foi duro, mas enfim se acabou.

No segundo dia o labor perdurou.
Planetas e estrelas, o céu povoou.
E um universo de cores, Ele contemplou.

A terra está seca, o demais alagado,
Ervas e plantas, no chão semeado,
E o terceiro dia se viu, então encerrado.

O dia, da noite separado.
O dia raiou pelo sol alumbrado,
E a treva chegou, declarando o quarto dia acabado.

Os seres marinhos e as aves do ar,
Iniciaram que a vida vinha povoar.
Até o quinto dia, por fim se acabar.

Foi no sexto que o homem surgiu,
E junto com ele a mulher coloriu.
E sobre tudo que havia, seu império emergiu.

Uma idéia na mente,
Uma terra escavada.
Uma chama ardente,
Uma obra forjada.

Tendo o ferro surgido,
Da pressão e calor.
Pra ajudar a lavoura
E o bom caçador.

Ferramenta potente,
Na caçada abundante.
Fez o trabalhador contente,
E o guerreiro arrogante.

Pobre destino da terra,
Que depois de forjada,
Foi parar numa guerra,
Sem nunca ser convidada.

Quisera a arma, ferramenta promovida.
Nunca ter sido envolvida, em tragédia sangüinal.
Quisera o homem, semelhança de Deus concebido,
Nunca ter evoluído, para semelhante animal.

sábado, 29 de maio de 2010

O Poeta - Alvaro Freitas

Mente, um universo mutante,
Que se transforma a cada novo instante.
Da urgia de imagens, palavras e cor,
Temperados com muito ódio e amor.
Na rotina monótona que passa,
Pela vida sem sal e sem graça.
O que seria do poeta sem o sonho?

No meu inferno pessoal e privado,
Crio a masmorra pra ser torturado.
E a heroína de braço potente,
Pra salvar esse pobre indigente.
Das correntes, tridente e chicote,
Que açoitam até a beira da morte.
O que seria do poeta sem as musas?

E a virgem, infeliz e indefesa?
Trancada na colossal fortaleza.
Com a besta, brutal e sem piedade,
Judiando da pobre, por pura maldade.
Até que o poeta, heróico e pontual,
Faz justiça no instante final.
O que seria do poeta sem as indefesas?

Neste mundo de bom e de mau personagem,
Criados da própria semelhança e imagem.
O poeta, solitário escritor,
Liberta seu maior opressor.
E o bravo guerreiro sagaz,
A lutar pela conquista da paz.
O que seria do bem sem o mal?

O retorno deste sonho confuso,
Para a realidade que caiu no desuso.
Carrega sempre a tal ficção,
Para a mente e pro coração.
Deixando o poeta em loucura,
O pobre vitimado da amargura.
O que seria dos sãos sem os loucos?

domingo, 23 de maio de 2010

O Corvo - Alvaro Freitas (releitura de Edgar Allan Poe)

Numa noite silenciosa e fria.
Acolhido pela chama que ardia.
Embebido com todo o meu fervor,
Nas páginas de um livro sem humor.
Esperando que as laudas aborridas que passassem,
As saudades de Lenora carregassem,
Para com Orfeu repousar em paz.

Quando as letras finalmente emergiram.
Substituindo os prantos que caíram,
Um ruído a porta me fez voltar,
E dos braços de Orfeu me fez saltar.
“Oh meu Deus, será um intruso?”
Ou será meu sentimento confuso?
Certamente uma visita, e nada mais!

Recompondo meus cabelos em desalinho.
E procurando meu roupão em um cantinho.
Respirava, tentando me acalmar.
Quem ousaria a essas horas me acordar?
Se não fosse pelo sentimento que me apavora.
Mandaria logo o forasteiro embora,
E não largaria meus sonhos jamais.

Senhor, ou senhora talvez,
Que da minha porta seu caminho se fez.
Queira aguardar com paciência um segundo,
Para que esse homem que repousava profundo.
Possa lhe a entrada, então franquear.
E com mais tempo poder me explicar.
Que se trata de um amigo, e nada mais.

Quando a porta finalmente se abriu.
O negrume da noite surgiu.
Nem um piu, nem a voz, nem um rosto.
Nada aguardava em seu posto.
Teria sido a alma de Lenora.
Vinda do céu que agora,
Faz seu porto de descanso e de paz?

Antes pois de voltar ao meu leito,
Fiquei mais um estante em espreito,
O suficiente para ver um estranho adentrar.
Grande e negro flutuando no ar.
Meu coração num súbito disparou,
Até que por fim o intruso na cadeira parou.
Tratava-se de um Corvo, e nada mais.

De tão mau agouro, o que vindes fazer?
Talvez um prenuncio de morte trazer.
Quem sabe o diabo de lá te mandou,
Pra trazer o que ele julgou,
Ser a pena desse pobre que passa,
Sua vida num mundo sem graça,
Aguardando a morte, e nada mais.

Ou quem sabe foi Deus quem mandou.
Que anunciasse a alguém que amou,
A mensagem de fé e de paz.
Para um ser que já sofreu demais.
Di-me, Corvo que me fita,
Vens por minha alma aflita,
Ou anseias algo mais?

Para o meu total espanto,
Fazendo engolir o amargo pranto.
Aquele animal de agouro,
Olhou-me como Cristão ao Mouro.
Então, crendo poder saber,
O seu nome quis eu conhecer.
O Corvo assim respondeu, “Nevermore.”

Di-me então, Nevermore!
De tantos amigos que tinha de cor.
Muitos que no Céu já hão de estar,
Irei eu, esta noite encontrar?
Com fé e angustia aguardei a resposta,
Que não tardou em voltar na frase posta.
No bico da ave a falar: Nevermore.

Oh sábio e sagaz mensageiro.
Enviado por ser seu cordeiro.
Contesta essa alma que chora.
Quando terá chegado a hora.
De Lenora, eu tornar a rever.
Antes mesmo de algo eu prometer.
Aos meus ouvidos chegou; Nevermore.

Ponha-te daqui, enviado do cão.
Tuas mentiras não me convencerão.
Hei de encontrar minha amada Lenora,
Mesmo que não seja exatamente agora.
Não há de ser por lamentável engano,
Vindo de um animal, no mínimo profano.
Que não vou tornar a tê-la, Nevermore.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

SER OU NÃO SER ENGANADO

SER OU NÃO SER ENGANADO
-Moço! Ei moço! Posso falar um instante com você?
Caminhava distraido pela rua Guaibê em Santos, quando ouvi aquela voz me chamando.
Parei e olhei para ele. Era um homem de meia idade, devia ter uns 38 anos, estava com a perna engessada do tornozelo até acima do joelho e caminhava com dificuldade. Aproximou-se dizendo.
-Sabe! Tive alta na Santa Casa e minha familia não foi avisada. Consegui chegar até aqui, mas moro em Vicente de Carvalho e não tenho dinheiro para pegar a barca e atravessar o canal.
-Será que você pode me ajudar?
Olhei em seus olhos e achei que falava a verdade, então dei os três reais que carregava no bolso. Agradeceu com um sorriso e segui meu caminho. Estava indo visitar uns parentes ali perto, na Rua Jurubatuba. Chegando lá não encontrei ninguém em casa, eles tinha saido. Então retornei pelo mesmo caminho. E passando em frente a padaria que fica no meio da quadra, proximo onde aquele homem me abordou, senti a raiva tomar conta de mim.
Encostado no balcão com um copo de bebida à frente, lá estava ele.
O homem da perna engessada.
O sangue subiu, senti vontade de ir lá brigar por ter mentido para mim. Mas, acabei me controlando e seguindo para casa. Aquilo me aborreceu muito, então prometi que nunca mais ia deixar ninguém me enganar.
O tempo passou e um dia estava em Florianopolis onde mora minha filha. Levei-a para uma consulta médica. Ela entrou no consultório e eu estacionei o carro na sombra de uma árvore. Fiquei ouvindo musica e com a porta aberta enquanto aguardava. Estava ali a algum tempo, quando surgiu um casal, não sei vindo de onde. O pai com a criança nos braços aproximou-se e mostrou uma receita perguntando se eu podia dar algum dinheiro, pois a criança precisava tomar aquele remédio. Em minha cabeça veio a lembrança do homem que me enganou em Santos e comentei que devia ir no posto de saúde que conseguia o remédio de graça. Ele disse que tinha estado lá e aquele medicamento não havia em estoque, tinha que ser comprado.
Disse que não tinha dinheiro e pude sentir o desanimo em seu rosto. Saiu sem dizer nada, seguido pela mulher. Ainda não tinha virado a esquina, alguns metros a frente, quando comecei a sentir uma sensação estranha. Era como se minha consciência cobrasse. Afinal, aquele remédio podia ser a diferença entre a vida e a morte para aquela criança.
Não era preciso comprar o remédio, bastava dar algum dinheiro. Ele ia ficar satisfeito e eu não ia ficar mais pobre. Então liguei o motor do carro e fui atrás deles. A rua que entraram era contra mão, tive que dar uma grande volta e com isso perdi muito tempo para chegar onde imaginei que estariam. Mas, não havia nem sombra deles. Rodei pelas imediações, e nada. Depois de algum tempo resolvi voltar e minha filha já estava me esperando. Perguntou onde tinha ido. Respondi que fui resolver um negocio mas não dei maiores explicações.
Voltamos para casa e fui pensando naquela criança. Será que agi certo? Tenho visto campanhas para não dar esmolas e que remedio a rede publica fornece. Mas, tem hora que temos a sensação de estar sendo cruel com as pessoas, como aquele chefe de familia com aquela criança. Pode estar desempregado e sei que na rede pública falta medicamentos. Fiquei com um peso grande na consciência e decidi que devo ser mais criterioso e analisar com calma para não ser enganado. Mas, sei também que as vezes é melhor arriscar para ajudar quem precisa, que virar as costas para todos.

JAF Falcão Peregrino

domingo, 16 de maio de 2010

Era uma vez... - Alvaro Freitas

Era uma vez, em um reino muito distante. No tempo em que os Dragões eram raros e viviam às margens da sociedade, escondidos nas trevas e sozinhos com o seu destino. No morro mais alto, cercado pela floresta mais sombria e infestada pelas criaturas mais assustadoras, jazia o Castelo dos Gemidos. Por séculos, tudo o que se sabia sobre aquele castelo não passava de lendas e superstições. Nenhuma história que fosse digna de ser considerada verdadeira era contada sobre os arredores da Floresta dos Mortos, onde ficava o castelo. Porém, nos últimos dias uma notícia repercutiu no vilarejo como fogo na palha. A notícia de que a Princesa Daiu, do reino de Booksfield estava na torre mais alta do castelo.
—Booksfield? Princesa Daiu? Onde fica isso?
—Eu vou embora e você vai ter que dormir sem história.
—Foi mal! Manda bala...
Logo a história chegou aos ouvidos do Príncipe. Sabendo que o reino dele era o mais próximo do Castelo dos Gemidos, sentiu-se na obrigação de ir até lá.
—Eu preciso da minha armadura e de minha espada. Escolha também o melhor cavalo do reino.
—Mas senhor!? Dizem que um enorme dragão vive naquele castelo e ninguém nunca voltou de lá para contar exatamente como ele é, exceto...
—Exceto quem?
—Ninguém. Deixa para lá.
Com a força de um único braço, o Príncipe ergueu seu fiel súdito quase até o teto.
—Diga logo bastardo. Quem conheceu o castelo e sobreviveu?
—O Juca Louco. Mas ele não é confiável, senhor.
—Pois selem mais um cavalo e ordenem a esse plebeu que me acompanhe.
Logo pela manhã, o destemido Príncipe, acompanhado pelo fanfarrão da vila, partiram para a vossa aventura. Cavalgaram o dia inteiro por entre árvores secas e petrificadas e pântanos assombrados. Parecia que sob cada rocha, havia um par de olhos a espreitar, aguardando a chegada da noite para atacar.
—Sir Juca. Conte-me tudo que sabe sobre o castelo.
—Eu sei muito pouco senhor. As pessoas na vila aumentam as minhas histórias.
—Então me conte o que sabe!
—O tempo em que os dragões povoavam a terra acabou a muitas gerações, porém, eles haviam construído um imponente castelo nessa floresta, em um local tão difícil e perigoso que até então, ninguém jamais ousou perturbar.
—E o dragão, ele existe mesmo?
—Existe! Ele é o último da sua espécie.
—E o que aquela idiota de cabelinho vermelho foi fazer lá?
—Mulher adora aparecer. Deve ter ido lá para fazer alguma maldade pro bichinho.
—Nós temos que chegar o quanto antes e salvar aquela pobre criatura das garras daquela besta de olhos verdes.
Assim os nossos heróis continuaram cavalgando. Durante o dia sob o escaldante sol, e durante a noite sob os olhares ameaçadores das feras.
—Maldita seja a lerdeza desse Príncipe. Há quase uma semana que eu o espero. Já estou fedendo a dragão. O povoado todo já sabe sobre a “Princesinha” na torre do castelo com o dragão e o Príncipe, vai saber, deve ter virado sapo por aí. Se demorar mais um dia, eu pego o meu dragão e vou atrás de outro ricaço.
A situação estava se agravando no castelo. A Princesa era capaz de tudo para conseguir poder, fama e dinheiro. O dragão temia pela sua própria vida.
—Eu vivo nesse castelo por mais de trezentos anos. Tenho me mantido afastado de encrencas desde então. O máximo que eu faço é emitir alguns ruídos durante a noite para afugentar curiosos. Eu tenho que quebrar esse paradigma de que dragão é mau, come campesinos, solta fogo pelas ventas. Caramba! Uma vez que me queixei da gastrite, associaram queimação no estômago com uma arma letal. Quando o ser humano vai aprender o que é metáfora?
—Para de resmungar jacaré! Eu tenho que ouvir quando o Príncipe chegar.
—Eu não vou deixar você fazer mal algum ao Príncipe. Eu o defenderei com minha própria vida se for preciso.
—Cala boca “Tic-tac”. Mais cedo ou mais tarde uma megera iria fisgar o coraçãozinho do tonto e torrar todo o seu dinheirinho. Que seja eu. Vai ensaiando a cara de mau.
Enquanto o clima esquentava no castelo. Sem saber do perigo que o esperava, os nossos heróis se aproximavam, armados e prontos para qualquer tipo de assalto, menos o velho e eficiente golpe da barriga.
—Opa! Espera aí! Tem criança no recinto! Se a história ficar picante eu chamo a mãe.
—Pivete desgraçado. Eu fico aqui contando historinha para o irmão dormir e ainda levo bronca. Pega leve!
—Anda logo! Ai o Príncipe chega ao castelo e...
E percebeu a batalha de morte entre a Princesa e o dragão. De um lado, a Princesa com uma espada, do outro o dragão com uma cadeira.
—Estranho! Não era essa cena que eu imaginava.
Ao perceber a presença do Príncipe, a luta tomou outra dimensão. E o dragão começou a agitar a sua enorme cabeça com a Princesa entre os dentes.
—Príncipe, pega a Princesa enquanto eu cuido do dragão. — Comandou o escudeiro.
Em uma ação orquestrada, a Princesa foi arrancada da boca da fera. Enquanto o Príncipe esmurrava a cara da Princesa, o Juca Loco oferecia água ao dragão para tirar o mau gosto da boca.
—MANHÊ! O Pedro tá zoando com a história!
—Tô não mãe! Esse moleque que é um bitolado.
—Quietos vocês dois. Termina logo essa história e já para a cama!
Enquanto o Príncipe e a Princesa rolavam no chão. O Juca Louco agarrou o dragão pelo braço e saíram em disparada, se assegurando de ter deixado as portas do castelo bem trancadas.
Por muitos anos, os habitantes dos dois povos choraram a perda dos seus entes queridos, que desde a trágica batalha, jamais foram vistos.
—E o Juca e o dragão?
—O Juca arrumou um disfarce para o dragão e passaram a viver no vilarejo.
—Ninguém percebeu o disfarce?
—Perceber, perceberam, mas se começassem a tirar as máscaras de todo mundo, seria pior para todos.
-E aí?
Viveram felizes para sempre. FIM. 

domingo, 9 de maio de 2010

Zoráculo - Alvaro Freitas

José Oraculano da Silva, operador de circuito fechado de televisão. Conte um pouco do seu trabalho para os nossos telespectadores!
—Pode me chamar de Zoráculo, todos me conhecem assim. E eu sou operador de Cê-Fê-TV. Eu gosto que chamem meu trabalho pelo nome certo. A gente tem que valorizar o nosso serviço.
Certamente! O senhor se orgulha do que faz?
—Mais é claro que sim. Em todo esse prédio, eu sou o mais importante. Sou eu quem julga o certo do errado. Se não fosse por mim, quem faria justiça?
Ufa! Essa eu não entendi. Explica essa de certo e errado.
—O outro dia veio um morador e falou: “Deixa eu ver a gravação da câmera da garagem do dia tal”. Espera ai moleque. Não é assim não. Aqui tem regras e o Zoráculo aqui tem responsabilidades.
E o que você fez.
—Saquei o formulário e falei: “Preenche ai mano! Num esquece de nenhum campo! Aqui, aqui e aqui.”
Ai você mostrou a gravação?
—Claro que não. Num sô “utubi” pra ficar mostrando filminho. As gravações são confidenciais. O que foi filmado, só eu posso assistir. Se alguém quer saber de alguma coisa, me explica o motivo e eu conto o que houve.
Não é mais fácil mostrar o filme?
—Lógico que não, Mané! Amadores! Vocês não foram treinados para interpretar corretamente o que está gravado. Se o Cê-Fê-TV filma um casal se beijando por exemplo. Ai chega a patroa do cara querendo saber o que houve, eu logo digo: “Num foi nada, só um cumprimento de vizinhos.” E tudo termina bem. “Capiche”?
E se for o marido da moça?
—“Mano, a vagabunda tá te botando chifre!” — “Com quem? Fala que eu mato!” — “Nunca vi o cabra no prédio!”
Espera aí! Isso é injusto!
—Tá questionando a minha autoridade! Num viu a minha farda não? E isso aqui que eu levo na cinta?
A lanterna?
—É muito mais do que uma lanterna. Esse é o meu símbolo de poder. No escuro sou eu quem dá as regras. Sou eu quem indica o caminho certo e deixa o errado no escuro.
Tudo bem, desculpa. Eu só não estava entendendo.
—Por isso que você é repórter e eu Operador de Cê-Fê-TV.
E nos casos simples?
—Aqui quem decide o que é simples e o que não é sou eu. E no meu prédio, não tem caso simples!
Um carro riscado por uma bicicleta na garagem. Se você olha a gravação e vê a filha de um morador arranhar a porta do carro do outro. Isso é simples.
—Depende do carro. Depende do morador. Depende da menininha. Só quem pode julgar sou eu. Pois eu tenho todas as imagens.
Como assim, depende do carro?
—I-30, puta dum carrão. Tem mais é que se ferrar. Sai por ai dando uma de galã e acha que todo mundo tem que desviar e pedir licença.
Fusca!?
—Conservadinho?
É!
—O pai da guria tem que pagar cada centavo. O cara dá um duro pra comprar o carango, lava, cuida, tudo original. Ai vem uma filhinha de papai, riquinha desgraçada e risca. Tem que pagar!
Isso não é certo!
—O senhor vem me entrevistar. É bem recebido e agora vem me ofendendo.
Eu não te ofendi, eu só disse que...
—Eu tenho provas das suas agressões. Está tudo gravado!
Então me mostra a gravação.
—Preenche o formulário. Em quarenta e oito horas eu te respondo se falta alguma informação e em setenta e duas horas eu lhe dou o veredicto.
Direto do Edifício Imperador para o “De olho na Notícia”.

sábado, 8 de maio de 2010

Calouro

E lá vamos nós de novo
brincar de ser poeta,
e o que eu não tenho medo
é de tentar fazer enredo.

Não tem jeito, nem quando eu me deito
gosto, tento, meço e faço
mas o que tenho é pé descalso
na estrada da palavra.

Me desculpo, homem matuto
por tomar-te todo o tempo
lendo, relendo, vendo e fazendo
todo esforço pra tentar me captar.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Mulher/Mãe.

Esta homenagem fiz para algumas mulheres/mães.
Nem todas mulheres são mães, apenas prestam ao papel de fêmea parideira,
fato que pode ser ocasional e neste acaso um filho pode ser mero fruto
indesejável, por minutos de prazer.

?...

E agora mulher vai teu filho chegar,
te amar como santa e de mão te chamar.
Por ele serás a sombra do próprio viver.
Depois que a mulher fica mãe tudo é motivo para chorar:
chora se o filho sofre,
chora se apenas pensar que este possa sofrer,
chora a beleza de vê-lo sorrir,
chora se na vida vencedor este volta para agradecer.
Mãe é algo difícil de se entender e impossível de analisar.
Não sabe se ri ou chora,
sabe ser mãe na hora que o filho perigos rondar.
No papel que desempenha,
onde fica você?
Será que te basta ser mãe,
esquecendo ser mulher?
Cada dia olha infinitamente para os que ama sem se vê.
Porém, tens um dia especial,
te cobrem de flores,
de ti se lembram para serem abraçados,
sim mamãe,
te fizeram este dia para o filho não esquecer,
que muito amor nos braços abertos,
a mãe tem para oferecer!

Musicalizando

- Oi Joãozinho! Está preparado? Se lembra que hoje vamos falar com o pai sobre o nosso namoro, né?

- É o amor, que mexe com a minha cabeça e me deixa assim.

- Ai amor, eu falo sério, você tem que parar com essa mania de falar cantando, meu pai pode não gostar.

- Don't worry about a thing, 'Cause every little thing is gonna be alright.

- Ai deus, no que é que isso vai dar?! Olhe lá, ele está chegando...

- Ola camarada, eu sou o pai da Mariazinha.

- Alô criançada o Bozo chegou!

- O que foi que você disse?

- Digo, muito prazer Sr.

- Ah, está bem, e como você se chama?

- Para alegrar a rapa nas ruas da sul eles me chamam Brown, maldito vagabundo, mente criminal.

- O quê?

- Desculpe, me chamo João Sr.

- Imagino que já deva saber, nossa família tem uma empresa muito bem sucedida, muito conforto financeiro, belos carros e moramos numa linda casa na Granja Viana. E você onde mora?

- A lua cheia clareia as ruas do Capão.

- Capão, Capão Redondo!? Fala sério? Bem, deve ter algum condomínio luxuoso pra esses lados também. Não é o melhor lugar pra se escolher, mas, se vocês tiverem carros blindados, por mim tudo bem.

- E no que você trabalha?

- Estátuas e cofres e paredes pintadas, ninguém sabe o que aconteceu.

- Ah, deve ser com obras de arte e coisas relacionadas a museus então.

- Mas como é o ramo? Você lucra muito com isso?

- Ora bolas, não me amole, com esse papo de emprego, não ta vendo, não tô nessa, e o que eu quero é sossego.

- O que! Você não trabalha então?

- É prosti é prostituto.

- Nossa! Isso só pode ser linguagem de jovem mesmo. Deve ter outro significado. Tudo bem, deixe pra lá. E por que é minha filha se apaixonou por você, o que foi que você disse à ela?

- E por você eu largo tudo, carreira, dinheiro e canudo.

- Bem, não estamos nos entendendo direito. Vamos ao mais importante então. Quais são mesmo as suas intenções com a minha filha?

- Créééu, créééu, créééu!

- Já chega, alô, é da polícia? Há um elemento aqui em minha casa que quer desonrar a mim e a minha família, levem-no daqui!

- Polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de polícia!

- Pai, não, não faça isso com o Joãozinho, por favor!

- Seu guarda eu não sou vagabundo, eu não sou delinqüente, sou um cara carente.

- Agora você vai ver o que é bom pra tosse, pensa que vai ficar a atrapalhar as pessoas assim, seu marginal.

- Deixe me ir preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar.