Esse blog foi criado pelos alunos do professor Ricardo para divulgar os rascunhos literários.
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domingo, 1 de agosto de 2010

A ave do paraíso - Alvaro Freitas

Após uma longa espera, estava finalmente a caminho do tão merecido repouso. Uma casa no meio de uma chácara tão grande, que mesmo se estourasse a terceira guerra mundial, eu não tomaria conhecimento. Em uma montanha tão alta, que estando na ponta dos pés, quase era possível ouvir os sussurros dos anjos. Distante da humanidade o suficiente para nunca mais ter que ouvir nenhuma falsidade. Por outro lado, perto o suficiente para que em uma hora de carro, pudesse fazer as minhas compras e sacar a aposentadoria.
Caminhonete abarrotada até o teto com a mudança. Calor a ferver os miolos. O velha Ford precisava de um descanso. Mais do que uma sombra de árvore, precisávamos de um posto de serviço com gasolina, banheiro e uma cerveja gelada. No horizonte, detrás de uma muralha de pó, surgia algo que lembrava um posto de combustível.
—Prá morrer de sede, morro intoxicado!
Tinha uma bomba de combustível, um caminhão em estado de putrefação e um barraco, que com um pouco de criatividade, lembrava uma loja de conveniência.
—Olá! — gritei.
Quisera ter ouvido ao menos o eco me responder, mas ia ecoar aonde?
—Olá! Alguém? — fui me afastando do carro em direção à loja.
Chegando a porta da loja, deparei com uma espreguiçadeira com um velho morto. Morto também não, mais tão prestativo quanto se estivesse. Pela porta de tela, tive a maravilhosa visão de uma geladeira com uma marca estranha de cerveja na porta.
—Senhor!?
“É, está morto sim!” — pensei.
Fui até a geladeira e me servi da primeira garrafa que vi. Ela estava sedutoramente suada. Quando estava prestes a sair:
Três e cinqüenta! — alguém gritou com voz esganiçada.
Olhei para o velho. Tão morto quanto antes.
—Olá! Para quem eu pago? – perguntei como que para as paredes.
Deixa no balcão! — respondeu.
Cheguei mais perto do pré-cadáver e notei que ao seu lado tinha uma gaiola com o pássaro mais lindo que já havia visto.
—Só tenho nota de cinco! — disse só para ver de onde viria a resposta.
Pega o troco de bala! — disse o pássaro.
“Eu não podia acreditar. Treinaram o pássaro para tomar conta da loja.” — Pensei indignado.
—Com licença! — disse um jovem à porta. — Vai abastecer?
—Vou sim! Completa o tanque e verifica a água e o óleo.
—Com prazer.
Passado o delírio, sai atrás do jovem em direção a bomba.
Três e cinqüenta, SAFADO!
Deixei os cinco sobre o balcão e sai apressado, como que fugindo de uma alma penada.
—Quem ensinou aquela ave a falar? — perguntei ao garoto.
—É a “ave do paraíso” do vovô. Ela não fala não! Por quê? — perguntou intrigado.
—Nada, pensei ter ouvido.
Mais duas horas de viagem, finalmente cheguei na casa que seria meu derradeiro endereço. Silêncio e paz. Era tudo que eu queria. Ninguém mais para me enganar, nem me roubar. Definitivamente desisti das pessoas.
Durante toda a minha vida, somente deparei com pessoas aproveitadoras e desonestas. Nunca constituí família. Meus pais me abandonaram em um orfanato enquanto era um bebê. As pessoas que mais dediquei confiança, foram as que mais me traíram.
—Chega, agora sou só eu e Deus!
Apesar de toda a carga, alguns detalhes haviam faltado. Durante a semana preparei uma pequena lista, e no sábado, fui até a cidade pegar o faltante.
A história da ave não me saía da cabeça. Claro que ela falou comigo! Eu não estava louco!
Foi então que decidi voltar lá. Passei no posto e deixei o garoto abastecendo enquanto entrei na loja sob o pretexto de uma cerveja gelada.
Lá estava o velho dormindo de boca aberta e a ave me encarando.
—Bom dia amigo! — cumprimentei cismado.
Fala ai tio! — disse o pássaro.
Tentando bancar o menos idiota possível, decidi fazer uma pergunta mais complexa para ter certeza de que ele só havia sido treinado a responder o básico.
—Esse senhor é seu dono? — perguntei olhando-a nos olhos.
Não! É o meu funcionário. — respondeu. — É meio velho mas mantém minha gaiola limpa e minha água e comida sempre fresca.
—Você confia nele?
Não sou louco de confiar nos seres humanos.
—Sabe, sinceramente, nem eu. Eu desisti. São todos uns canalhas...
Subitamente, o rapaz entrou na loja.
—Mais alguma coisa que eu posso fazer pelo senhor? — indagou o frentista.
—Eu gostaria de comprar o pássaro.
—Ele é do vovô. Pergunte a ele!
Com carinho, o neto acordou o velho.
—Vovô, esse senhor gostaria de comprar a “ave do paraíso”!
O velho bocejou e coçou os olhos como se estivesse dormindo a anos. Ele me olhou e disse.
-Ele só é bonitinho. Se pensa que pode ensinar algum truque, esquece!
—Ele fala?
—Você deve estar querendo um papagaio. Eu posso conseguir um que canta o hino do Corinthians.
—Eu quero esse.
—Mas não fala!
—Quanto custa?
—Cinco mil!
—É meu!
E assim foi. Pela primeira vez em toda a minha vida eu tinha um amigo de verdade. E pela primeira vez, eu passei alguém para trás.
—Onde já se viu. Cinco mil e eu comprei o mais inteligente dos animais. Um profeta talvez. A idéia do profeta trouxe um arrepio sobrenatural a minha espinha. Então, me virei para ele, que estava no banco ao meu lado e perguntei.
—Você fala em nome de Deus?
Em silêncio ele consentiu. Então fomos em silêncio a viagem toda. Talvez pelo estresse da viagem ele parou de falar, apenas respondia sim ou não com a cabeça. Por semanas o nosso relacionamento foi apenas por gestos. Ele não me disse mais uma palavra sequer. Porém, o jeito com que me olhava, era o suficiente para esclarecer todas as dúvidas e anseios de toda a minha vida. Até que cogitei a hipótese de o poder de fala dele, de alguma maneira estar atrelado ao velho do posto de combustível.
Eu havia jurado para a ave e para mim mesmo que jamais falaria com mais nenhum homem. Mas a situação necessitava uma medida enérgica, então, deixei a gaiola bem abastecida e voltei a loja.
Ainda da estrada, pude ver uma estranha movimentação no posto. Uma viatura da polícia e uma ambulância. A tranqüilidade dos paramédicos me assustou. Estacionei de qualquer jeito e corri até a loja.
—O que aconteceu? — perguntei ao Policial.
—O ventríloquo morreu!

Um comentário:

  1. Gostei da história. Quem quer que seja sabe como esvrever uma história legal. Parabéns, visitarei o blog para ver mais histórias legais em breve.
    Thainá Cristina Zen, 13 anos.
    Brusque, SC.
    thainazen@hotmail.com

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