Esse blog foi criado pelos alunos do professor Ricardo para divulgar os rascunhos literários.
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domingo, 9 de maio de 2010

Zoráculo - Alvaro Freitas

José Oraculano da Silva, operador de circuito fechado de televisão. Conte um pouco do seu trabalho para os nossos telespectadores!
—Pode me chamar de Zoráculo, todos me conhecem assim. E eu sou operador de Cê-Fê-TV. Eu gosto que chamem meu trabalho pelo nome certo. A gente tem que valorizar o nosso serviço.
Certamente! O senhor se orgulha do que faz?
—Mais é claro que sim. Em todo esse prédio, eu sou o mais importante. Sou eu quem julga o certo do errado. Se não fosse por mim, quem faria justiça?
Ufa! Essa eu não entendi. Explica essa de certo e errado.
—O outro dia veio um morador e falou: “Deixa eu ver a gravação da câmera da garagem do dia tal”. Espera ai moleque. Não é assim não. Aqui tem regras e o Zoráculo aqui tem responsabilidades.
E o que você fez.
—Saquei o formulário e falei: “Preenche ai mano! Num esquece de nenhum campo! Aqui, aqui e aqui.”
Ai você mostrou a gravação?
—Claro que não. Num sô “utubi” pra ficar mostrando filminho. As gravações são confidenciais. O que foi filmado, só eu posso assistir. Se alguém quer saber de alguma coisa, me explica o motivo e eu conto o que houve.
Não é mais fácil mostrar o filme?
—Lógico que não, Mané! Amadores! Vocês não foram treinados para interpretar corretamente o que está gravado. Se o Cê-Fê-TV filma um casal se beijando por exemplo. Ai chega a patroa do cara querendo saber o que houve, eu logo digo: “Num foi nada, só um cumprimento de vizinhos.” E tudo termina bem. “Capiche”?
E se for o marido da moça?
—“Mano, a vagabunda tá te botando chifre!” — “Com quem? Fala que eu mato!” — “Nunca vi o cabra no prédio!”
Espera aí! Isso é injusto!
—Tá questionando a minha autoridade! Num viu a minha farda não? E isso aqui que eu levo na cinta?
A lanterna?
—É muito mais do que uma lanterna. Esse é o meu símbolo de poder. No escuro sou eu quem dá as regras. Sou eu quem indica o caminho certo e deixa o errado no escuro.
Tudo bem, desculpa. Eu só não estava entendendo.
—Por isso que você é repórter e eu Operador de Cê-Fê-TV.
E nos casos simples?
—Aqui quem decide o que é simples e o que não é sou eu. E no meu prédio, não tem caso simples!
Um carro riscado por uma bicicleta na garagem. Se você olha a gravação e vê a filha de um morador arranhar a porta do carro do outro. Isso é simples.
—Depende do carro. Depende do morador. Depende da menininha. Só quem pode julgar sou eu. Pois eu tenho todas as imagens.
Como assim, depende do carro?
—I-30, puta dum carrão. Tem mais é que se ferrar. Sai por ai dando uma de galã e acha que todo mundo tem que desviar e pedir licença.
Fusca!?
—Conservadinho?
É!
—O pai da guria tem que pagar cada centavo. O cara dá um duro pra comprar o carango, lava, cuida, tudo original. Ai vem uma filhinha de papai, riquinha desgraçada e risca. Tem que pagar!
Isso não é certo!
—O senhor vem me entrevistar. É bem recebido e agora vem me ofendendo.
Eu não te ofendi, eu só disse que...
—Eu tenho provas das suas agressões. Está tudo gravado!
Então me mostra a gravação.
—Preenche o formulário. Em quarenta e oito horas eu te respondo se falta alguma informação e em setenta e duas horas eu lhe dou o veredicto.
Direto do Edifício Imperador para o “De olho na Notícia”.

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